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Memorando: Lei Anticorrupção

21 de maio de 2019 | Publicações

1. Em 01 de agosto de 2013, o Congresso aprovou a Lei 12.846, que visa combater práticas de corrupção na Administração Pública, seja nacional ou estrangeira. Esta Lei não é a única na legislação brasileira que regula esse assunto. Existem outras Leis em vigor, como o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940, artigos 317, 332, 333 e 343), a Lei de Licitações (Lei 8.666/1993, artigos 91, 92, 95 e 96) e a Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).

2. Vale ressaltar que o Brasil já estava comprometido no cenário internacional a combater a corrupção. Na verdade o Brasil ratificou:

a) A Convenção Interamericana contra a Corrupção (IACAC), que foi a primeira convenção internacional anti-corrupção, datada de março de 1996 e adotada em Caracas, Venezuela pelos membros da Organização dos Estados Americanos. O acordo foi assinado no dia 29 de março de 1996, aprovado pelo Congresso em 25/06/2002 e promulgado pelo Decreto 4.410 de 07/10/2002;

b) A OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico para combater o suborno de Funcionários Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, que foi assinado em 17 de dezembro de 1997, aprovada pelo Congresso em 14/06/2000 e promulgada pelo Decreto 3.678 de 30 de novembro de 2000;

c) A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, datada de 21/10/2003, assinada pelo Brasil em 09/11/2003 e promulgada pelo Decreto 5.687 de 31 de Janeiro de 2006.

3. Entre outros aspectos, a Lei 12.846 está sendo objeto de debate por sua generalidade. A Lei é aplicável a todas as empresas e companhias, sejam elas personificadas ou não, independentemente da sua forma de constituição ou organização, assim como é aplicável às fundações e associações civis, de pessoas físicas ou jurídicas.

4. Diga-se que até mesmo sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou mera representação no país, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente (conforme elucida o parágrafo único do artigo 1º) estão sob seu efeito.

5. Os atos considerados lesivos ao Patrimônio Público nacional ou estrangeiro estão elencados no artigo 5º. Assim, estará sujeito às penalidades da lei aquele que:

I – prometer ou dar, seja direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II – de qualquer modo praticar os atos ilícitos previstos na própria Lei nº 12.846/13;

III – ocultar ou dissimular seus verdadeiros interesses, ou a identidade dos autores dos atos ilícitos;

IV – dificultar a fiscalização ou investigação de Órgãos, entidades ou agentes públicos.

6. Outrossim, no que tange aos atos praticados nas licitações públicas, ou durante a relação contratual com o poder público, a Lei define que será punido o ato que vise:

a) fraudar qualquer licitação pública ou contrato dela decorrente;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou tentar afastar agentes públicos, por meio de qualquer espécie de fraude ou oferecimento de vantagem;
d) frustrar ou fraudar, por meio de qualquer espécie de acordo, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
e) fraudar a garantia do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
f) obter, mediante fraude ou vantagem, benefício indevido, em avenças com a administração pública, sem autorização legal;
g) criar, irregularmente, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.

7. De acordo com a Lei, a empresa e os indivíduos que participaram do ato assumirão a responsabilidade. A responsabilidade da empresa é objetiva, o que significa que não é preciso provar a intenção de fraude, ou mesmo a culpa. Esta é uma grande diferença em comparação com as outras Leis relacionadas à corrupção mencionadas no item 01. Nessas, a prova de má conduta e da intenção de fraude é necessária. Por outro lado, os indivíduos (os funcionários da empresa que participaram do ato, diretores e conselheiros) serão punidos na medida de sua culpabilidade.

8. Também é importante destacar que a responsabilidade da empresa sobreviverá a qualquer forma de reorganização societária, tais como alterações aos estatutos da companhia, fusões e cisões. Nesses casos, a nova empresa será responsável como sucessora, mas a sua responsabilidade (a pagar a indenização e multas) será limitada ao montante dos ativos transferidos, com a exceção de fraude devidamente comprovada.

9. Existe a presunção de responsabilidade solidária entre as empresas pertencentes ao mesmo Grupo, o que significa entre a controladora e suas controladas, subsidiárias, afiliadas e também entre as empresas que participam de consórcio.

10. De acordo com a Lei, o inquérito (processo administrativo) será aberto por iniciativa da Autoridade suprema de cada Órgão ou entidade pública, em que há uma suspeita de corrupção.

11. Tal autoridade nomeará uma comissão composta de pelo menos dois membros, que sejam funcionários públicos no mesmo Órgão ou entidade pública. Essa comissão deverá finalizar o trabalho em um período de 180 dias, ou seja, deverá apresentar um relatório conclusivo e sugerir as penalidades neste tempo.

12. A companhia terá o direito de apresentar defesa em 30 dias, contados da data da intimação.

13. Se o inquérito for concluído pela imposição de uma multa e esta não for paga, a empresa será inscrita no CADIN, na dívida ativa e o débito será executado pela União.

14. No Estado de São Paulo, o Decreto 60.106/2014 foi promulgado para a implementação da Lei. Neste Estado o inquérito pode ser iniciado pela Secretaria de Estado, pelo Procurador-Geral de Estado e pelo Presidente da Comissão dos Assuntos Internos no caso de entidades públicas pertencentes à Administração Direta. No caso de entidades públicas pertencentes à administração indireta, a investigação pode ser iniciada pelo presidente da própria entidade. Na cidade de São Paulo, o Decreto 55.107/2014 foi promulgado. De acordo com este, a Comissão de Auditoria da Cidade é a única entidade com poderes para iniciar a investigação prevista na Lei 12.846/2013, em relação aos atos de corrupção praticados contra a Administração Municipal.

15. Para as empresas responsabilizadas pela prática de atos ilícitos descritos pela Lei, será aplicada uma multa que varia entre o valor de 0,1 % (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) da receita bruta, sem impostos, do ano anterior, o que significa o ano anterior ao início do procedimento administrativo. Se não for possível determinar o montante da multa, a multa será fixada a partir de R $ 6.000,00 (seis mil Reais) até R $ 6.000.000,00 (seis milhões de Reais).

16. É importante notar que o pagamento da multa não exclui a obrigação da empresa de indenizar integralmente os danos e prejuízos sofridos em decorrência do ato ilícito.

17. Também é importante destacar que, de acordo com o artigo 16 da Lei, acordos de leniência podem ser oferecidos para a empresa responsabilizada pelos atos ilícitos previstos na Lei. A cooperação terá a finalidade de identificar as outras partes envolvidas no crime, bem como a obtenção de documentos e provas dos atos ilícitos. Os acordos de leniência podem reduzir até 2/3 (dois terços) da multa aplicada.

18. Chamemos a atenção para o fato de que o procedimento de investigação previsto na Lei 12.846/93 não prejudica a possibilidade de o Ministério Público propor em face da empresa as competentes ações civis ou penais. Em tais ações , entre outras sanções , podem ser aplicadas as seguintes:

I – o arresto dos bens, valores ou direitos que foram obtidos ilegalmente , por meio de atos de corrupção;

II – a suspensão ou encerramento das atividades da empresa;

III – a liquidação da empresa;

IV – proibição de receber incentivos , empréstimos, doações ou qualquer forma de subvenções por parte dos bancos públicos ou por bancos controlados pelo Poder Público.

19. O prazo de prescrição para os atos previstos na Lei é de cinco anos, contados a partir da data do reconhecimento da infração, ou, no caso de infração contínua, a partir do dia em que tiver finalizado.

20. Empresas ou pessoas estrangeiras se sujeitam à Lei, mesmo que o crime tenha sido cometido no exterior. Esta aplicação extraterritorial da Lei brasileira é controversa. Segundo o professor Modesto Carvalhosa, famoso doutrinador, o artigo 7, parágrafo 2º, do Código Penal Brasileiro deve ser observado, no que tange à jurisdição.

Assim, cumpre transcrever o mencionado artigo da Legislação Penal:

“Art. 7º – Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

II – os crimes:  

que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

praticados por brasileiro;

praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. 

2º – Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições:

– entrar o agente no território nacional;

– ser o fato punível também no país em que foi praticado;

– estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

– não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

– não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.”

21. Apesar disso, a Lei 12.846 simplesmente afirma que as empresas ou pessoas físicas residentes e domiciliadas no exterior estão sujeitos à Lei, mesmo que o ato de corrupção tenha ocorrido no exterior. Como explicado anteriormente, essa disposição pode dar origem a debate.

22. Por fim, gostaríamos de salientar que um programa de “compliance”, ou boas práticas eficaz é um componente-chave para mostrar a preocupação e os valores da empresa. Adotar um manual de ética profissional e realizar sessões de treinamento com os funcionários e diretores é altamente recomendado. Recomenda-se também rever os contratos padrão da empresa, para incluir uma cláusula contra práticas corruptivas, e, de tempos em tempos, rever as práticas de seus fornecedores e parceiros comerciais. Estas simples mediadas podem ajudar a provar que a empresa estava centrada na prevenção da corrupção. No entanto, tais esforços não eliminam a responsabilidade, apenas podem ser considerado para mitigar as penas.

Sendo o que nos cumpria no momento, permanecemos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente,

BARBARA BRENTANI RONCOLATTO

RICARDO BONILHA BRENTANI