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Ano XVIII – nº 41

RECENTE DECISÃO DO STJ RELATIVA À PROMOÇÃO DE MEDICAMENTOS

30 de setembro de 2024 | Publicações

Em 13/08/2024 a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, o Recurso Especial no. 203.5645-DF, que havia sido interposto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em face de um acórdão prolatado por votação unânime, pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região. De acordo com referido acórdão do TRF, a ANVISA teria extrapolado seu poder regulamentador ao promulgar a Resolução da Diretoria Colegiada RDC 96/2008, cujo conteúdo trouxe exigências mais detalhadas quanto à publicidade de medicamentos do que aquelas contidas na Lei 9.294/1996.

A 1ª Turma do STJ corroborou e manteve o entendimento do TRF explicitando que a RDC ANVISA 96/2008 conteria alguns dispositivos ilegais, posto que veicula normas que contrariam Lei Ordinária, que lhe é hierarquicamente superior. Assim, a ANVISA, enquanto agência reguladora e autarquia integrante da Administração Indireta, não teria competência para promulgar normas para além do previsto em Lei. Tais normas deveriam ter sido editadas seguindo o processo legislativo aplicável às Leis Ordinárias e, portanto, de competência do Congresso Nacional.

Como sabido, a Constituição Federal[1] determina que a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias está sujeita as restrições legais, que deverão ser regulamentadas por Lei federal [2]. Tais restrições se justificam devido ao impacto que a propaganda destes produtos pode ter na vida das pessoas.

Tal regulação ocorreu pela Lei 9.294/1996 que, entre outras normas, estabeleceu a vedação de propaganda dos medicamentos de prescrição para público leigo – isto é, aqueles que não sejam profissionais da saúde. Ademais, permitiu que os medicamentos “anódinos e de venda livre” (também conhecidos como OTC), possam ser anunciados nos órgãos de comunicação social, desde que com as advertências quanto ao seu abuso[3].

A mesma Lei indica, ainda, que: a propaganda de medicamentos “não poderá conter afirmações que não sejam passíveis de comprovação científica, nem poderá utilizar depoimentos de profissionais que não sejam legalmente qualificados para fazê-lo[4]” (conhecidos como testemunhais). Permite-se “a propaganda dos medicamentos genéricos e campanhas publicitárias patrocinadas pelo Ministério da Saúde e nos recintos dos estabelecimentos autorizados a dispensá-los, com indicação do medicamento de referência[5]). E finalmente determina que “toda a propaganda de medicamentos conterá obrigatoriamente advertência indicando que, a persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado[6].

Assim, o STJ analisou a RDC ANVISA 96/2008 e cotejou-a com os dispositivos da Lei 9.294/1996. Entendeu-se que a RDC ANVISA 96/2008 continua válida com relação àqueles dispositivos em que não haja conflito com o disposto em Lei Federal, notadamente a Lei 9294/1996.

Por outro lado, entendeu o STJ que há uma série de dispositivos na RDC ANVISA 96/2008 que são ilegais, pois vão além das regras estabelecidas pela Lei 9.294/1996. Citamos os seguintes, a fim de dar exemplos: “(i) proibição de merchandising de medicamentos[7]; ii) proibição de atos publicitários com imagens de pessoas fazendo uso de medicamentos, especialmente quando sugerir ser o fármaco detentor de características organolépticas agradáveis, inclusive quanto ao sabor[8]; (iii) exigência de cláusulas específicas de advertência, a exemplo da necessidade de indicação das substâncias contidas no medicamento, especialmente quanto àqueles que apresentem efeitos de sedação/sonolência[9]; (iv) interdição, na publicidade de medicamentos isentos de prescrição médica, de determinadas expressões (v.g. comprovado cientificamente ou demonstrado em ensaios clínicos[10])”; proibição de utilização de expressões e imagem de voz de pessoas célebres[11]; enumeração de ações que seriam permitidas na publicidade[12].

Merece atenção que a decisão proferida no Recurso Especial indicado acima é válida apenas entre as partes do processo, e não tem efeitos perante terceiros. No entanto expressa o entendimento mais atual sobre a promoção de medicamentos por parte do Superior Tribunal de Justiça.

Há que atentar-se, ainda, que a decisão não é final, tendo já sido interposto pela ANVISA Recurso Extraordinário a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Importante também observar que a Ministra Relatora do caso perante o Superior Tribunal de Justiça encaminhou a decisão ao conhecimento do Congresso Nacional e ao Ministério da Saúde, buscando diálogo institucional entre o Judiciário, Executivo e Legislativo, para se ponderar sobre a conveniência da alteração da Lei 9.294/1996 e demais normas a ela relacionadas no que tange à promoção de medicamentos.

Em resumo e NA PRÁTICA, ao produzir suas peças e planejar suas ações promocionais, os fabricantes, distribuidores e promotores de medicamentos devem ter em conta as normas que continuam vigentes e foram confirmadas como obrigatórias pelo Superior Tribunal de Justiça, já que foram editadas em consonância com as normas estabelecidas pela Lei 9.294/1996. No que tange às demais normas pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o descumprimento da RDC ANVISA 96/2008 caracteriza infração sanitária e sujeita o infrator às penalidades estabelecidas pela Lei 6.437/1977.

Portanto, enquanto o Judiciário analisa em última instância a matéria, o Congresso Nacional poderá se mobilizar para alterar a Lei 9.294/1996, incorporando em tal norma regramento mais detalhado sobre o que é permitido na propaganda de medicamentos, inclusive em mídias digitais.

O presente artigo não tem o caráter de opinião legal, ou aconselhamento. Cada caso deverá ser analisado, com base em suas peculiaridades.

BRENTANI RONCOLATTO ADVOGADOS

[1] Art. 220, parágrafo 4º
[2] Art. 220, parágrafo 3º, II
[3] Lei 9294/1996, art. 7º, parágrafo 1º
[4] Lei 9294/1996, art. 7º, parágrafo 2º
[5] Lei 9294/1996, art. 7º, parágrafo 4º
[6] Lei 9294, art. 5º. Há, por outro lado, dispositivo abrangente que proíbe a utilização de trajes esportivos, relativamente a esportes olímpicos, para veicular a propaganda de quaisquer dos produtos de que trata a lei (art. 6º da Lei 9294/96)
[7] Art. 4º, parágrafo único
[8] Art. 8º, III e VI
[9] Art. 17 e 23
[10] Art. 26, I e III
[11] Art. 26
[12] Art. 9º