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Tributação das remessas ao exterior a título de licenciamento de software
9 de abril de 2024 | NotíciasTributação de Software – Solução de Consulta COSIT nº 107/23 altera entendimento sobre incidência tributária em remessas ao exterior por licenciamento internacional de uso de programas de computador
A Receita Federal do Brasil (“RFB”), através de sua Coordenação do Sistema de Tributação (“COSIT”), firmou em 06 de junho de 2023 novo entendimento relativo à incidência de PIS-Importação e COFINS-Importação sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no Brasil aos residentes domiciliados no exterior, a título de licenciamento de uso de software.
De acordo com referida Solução de Consulta, a contraprestação paga ao licenciador do software no exterior, seja para aquisição da licença, ou sua renovação, tenha havido, ou não customização ao usuário final, e independentemente da forma de disponibilização do software (em nuvem, em servidor físico, em mídia, etc..) caracteriza royalties. Assim, tais remessas ao exterior estão sujeitos à incidência de Imposto sobre a Renda na Fonte (IRRF), em regra, sob a alíquota de 15% (quinze por cento).
Importante lembrar que tal alíquota será aplicável, salvo se o Brasil tiver celebrado com o país no qual o licenciador do software é domiciliado Tratado para Evitar a Bi-Tributação em matéria de Imposto de Renda. Nesta hipótese, o Tratado prevalece sobre a legislação interna e a alíquota prevista em tal tratado e o método escolhido no Tratado para evitar a bi-tributação deverão ser observados.
Por outro lado, caso o país de domicílio do licenciador de software seja um paraíso fiscal , então o licenciado no Brasil deverá reter o Imposto de Renda na Fonte nas remessas que fizer dos royalties ao exterior usando a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento).
Antes desta Solução de Consulta, era usual se fazer uma distinção entre a modalidade de contratação, para atrair ou afastar a tributação pelo Imposto de Renda Retido Fonte. O licenciamento de programas de computador de prateleira, ou seja, aqueles comercializados em larga escala para uma massa indistinta de usuários (antigamente licenciados através de mídias e depois por download de arquivos) conduziam ao raciocínio de que se equiparavam a mercadorias, e assim, o que se pagava ao licenciador no exterior era preço de mercadoria e, portanto, não caracterizava rendimento tributável pelo Imposto de Renda na Fonte.
Já os programas de computador licenciados sob encomenda do usuário caracterizavam um fazer específico e assim, a contraprestação pelo direito de uso do programa, caracterizaria royalty, dando ensejo à retenção de 15% do Imposto de Renda Retido na Fonte.
Sob outro prisma, a dita interpretação também conduzia a que a licença de software de prateleira caracterizava circulação de mercadoria e assim haveria incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria), cuja base de cálculo era o valor da mídia. Já o licenciamento de software sob encomenda caracterizava um fazer, dando ensejo à tributação pelo ISS (Imposto sobre Serviços), calculado sobre o valor da licença.
Tal dicotomia no tratamento tributário das licenças de software eram calcadas na interpretação do STF fixada em sede do julgamento dos Recursos Extraordinários de números 176.626 e 688.223. De acordo com a Corte Constitucional o software de prateleira se assemelhava a uma mercadoria colocada no mercado de consumo em larga escala. Por isso, deveria ser tributado como tal.
Ocorre que no ano de 2023, o STF mudou o entendimento ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADIs”) nº 1.945 e 5.659. Isto é o Tribunal percebeu que a tecnologia evoluiu de forma que existem diversas formas de licenciamento de software, inclusive na nuvem (ou seja, através de servidores virtuais). O fundamento dos acórdãos anteriores deixou de fazer sentido.
Assim, houve unificação pelo STF do tratamento tributário das operações de licenciamento de software (de ‘prateleira’, customizados, ou sob encomenda, na nuvem, em servidores, ou em mídia), sujeitando-se todas as formas e modalidades à incidência de ISS. Entendeu-se que todas as formas de contratação configuram serviço. Por conseguinte, extinguiu-se, para fins de tributação local a distinção sobre as modalidades de licenciamento de software, que atraiam a incidência de ICMS (programas classificados como “de prateleira”), ou a incidência do ISS.
A Receita Federal ampliou a interpretação, ao editar a Solução COSIT 107/2023. De acordo com o entendimento da Receita Federal o IRRF é devido nas remessas ao exterior a título de licenciamento de software, em razão do trabalho intelectual realizado pelo próprio desenvolvedor do programa de computador. Já o PIS-Importação e COFINS-Importação, segundo entendimento da Receita Federal, deveriam incidir porquanto todo licenciamento de software pressupõe um fazer intelectual, qual seja, o desenvolvimento do software. Destarte, ao receber o licenciamento de um software importado, o cliente brasileiro estaria importando serviço, nos termos do art. 8º, inciso II, itens “a” e “b”, da Lei nº 10.865/04.
Tal entendimento não nos parece correto. O contrato de licença faculta um direito de uso de um bem imaterial (software) e a sua contraprestação tem natureza de royalties (de acordo com a Lei 4.506/64) atraindo a tributação pelo IRFonte relativamente às remessas de royalties ao exterior. O entendimento híbrido adotado pela RFB (a remessa ao exterior é royalty tributado pelo IRFonte e é serviço, tributável pela PIS COFINS importação) certamente será fonte para diversos conflitos no âmbito tributário quanto ao licenciamento dos programas de computador importados, mesmo que o licenciamento se materialize através de SaaS.
Quanto à incidência da CIDE (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico), a Receita Federal manteve o entendimento de que esta não incide, nas remessas ao exterior a título de royalties por licenciamento de uso de software, salvo se houver transferência de tecnologia ao usuário (por exemplo com cessão de direitos e liberação do código fonte).
Naquela hipótese haverá sim incidência da CIDE calculada à alíquota de 10% e retida fonte. Também haverá a mesma incidência quando um nacional brasileiro remeter ao exterior pagamentos a título de manutenção, assistência técnica, ou suporte a programas de computador, salvo alíquota diferenciada prevista em Tratado para evitar a Bi-Tributação internacional em matéria de Imposto de Renda, do qual o Brasil faça parte.
Assim, a partir do entendimento exarado pela Secretaria da Receita Federal, as remessas ao exterior a título de licenciamento de software importado se encontram, NA PRÁTICA, além de sujeitas ao Imposto de Renda Retido na Fonte, também agora ao PIS e à COFINS importação.
Sendo o Brasil um país importador de tecnologia (dentre outros bens), a interpretação da Receita Federal deve onerar ainda mais os clientes finais da indústria de TIC, sendo provável que seja mais um tema que será levado ao Judiciário.
O presente artigo não tem o caráter de opinião legal, ou aconselhamento tributário. Cada caso deverá ser analisado, com base em suas peculiaridades.
BRENTANI RONCOLATTO ADVOGADOS